I M A G E M & S E M E L H A N Ç A
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa
imagem, conforma a nossa
semelhança; (...) Criou, pois, Deus o
homem à sua imagem;
à imagem de Deus o Criou;
homem e mulher os criou”
Gn 1.26,27.
“Este é o livro das gerações de Adão.
No dia em que Deus criou o homem,
à semelhança de Deus o fez”
Gn 5.1
INTRODUÇÃO
IMAGO DEI – Expressão que vem do latim e significa “Imagem de
Deus,” faz parte da doutrina sobre a criação do homem. Esse conceito nos
ensina que o homem fora criado à imagem e semelhança de Deus. É claro que o
pecado manchou a Imago Dei original, mas não o destruiu totalmente.
ANÁLISE DOS VOCÁBULOS
IMAGEM – do hebraico Tselem, significa representação, uma semelhança. Na maioria
das vezes refere-se a um ídolo. Mas em cinco vezes diz respeito ao homem ao ser
criado à imagem de Deus. Tselem refere-se à imagem como representação da
Divindade. Nesse sentido, as imagens eram terminantemente proibidas.
IMAGEM – do grego eikõn. A palavra envolve as duas ideias de representação
e manifestação.
SEMELHANÇA – do hebraico dãmãh, ser como, assemelhar-se, ser ou
agir como, comparar. Esse verbo aparece no hebraico por volta de 28x. O
substantivo demut = feitio, figura, forma, padrão. Expressa a ideia do
original segundo o qual uma coisa é moldada.
SEMELHANÇA – do grego homoíoma. Denota aquilo que é feito como
algo, feitura como. Tiago 3.9 nos diz: “os homens feitos à semelhança de
Deus,” traduzindo o trecho bíblico citado na forma literal temos: “toús
anthrópous toús kath homoíosin Theou gegonótas,” isto é, “as pessoas a
(que) segundo feitura como de Deus foram feitas."
Conceito de imagem segundo o dicionário VINI: Imagem: eikõn
denota imagem, a palavra envolve duas ideias de manifestação e representação.
Aos que são descendentes de Adão que trazem sua imagem (I Co 15.49); relações entre
Deus Pai, Jesus e os homens, acerca de: o homem na medida que foi criado como
representação visível de Deus (I Co 11.7), um ser correspondente ao original; a
condição do homem como criatura caída não apagou a “imagem”
completamente, ele ainda é adequado para assumir responsabilidades, ainda tem
as qualidades semelhantes a Deus, como o amor a bondade e a beleza, nenhum dos
quais são encontrados nos animais, na Queda, o homem deixou de ser veículo
perfeito para a representação de Deus; a graça de Deus em Cristo ainda
realizará mais do que Adão perdeu; os regenerados sendo representações morais
do que Deus é (Cl 3.10; Ef 4.24); os crentes em seu estado glorificado, não
somente como semelhantes a Jesus, mas representando-o (Rm 8.29; 1 Co 15.49);
aqui a perfeição é a obra da graça divina; os crentes ainda representarão, não
alguma coisa como Ele é, mas o que verdadeiramente Ele é em Si mesmo, tanto no
Seu corpo espiritual quanto no Seu caráter moral.
No dicionário Ítalo Fernando Brevi: O cristão é imagem de
Deus (2 Co 3,18; Cl 3,1-11; Rm 8,29; 1Cor 15,49). O homem e a mulher são imagem
de Deus (Gn 1,26s; 9,6; 5,1; 1 Cor 11,7; Tg 3,9).
Na ideia fundamentada de semelhança é a representação. No antigo Egito, o faraó já é descrito efigie de o Deus solar Rê. A indicação da imagem/efigie de Rê encontra-se frequentemente ao lado ou no lugar de “filho de Rê.” Refere-se as proezas de faraó ou a sua aparência majestosa. Quanto a Mesopotâmia a designação do rei como imagem de um deus encontra-se em textos de templos neo-assirio e neobabilônico (VI, VII a.C), as vezes junto com a palavra salmu – estátua, imagem que corresponde a um dos dois conceitos usados no AT. Recentemente achou um par de conceitos selem e demut, imagem e semelhança, na inscrição aramaica de um rei arameu vassalo da assíria no sec. IX. No AT essas antigas noções orientais foram transpostas para uma teologia da criação, pondo-se no lugar do rei a humanidade inteira. Deus planejou e quis essa posição tão valorizada: “Façamos o homem...”. Semelhante a Deus, o homem o representa como senhor, Gn 1.26. juntamente com a promessa de benção, o homem recebe explicitamente a incumbência de reinar (v. 28). A semelhança divina no homem não é, pois, determinada propriedade do homem (como inteligência e linguagem), mas significa sua proximidade a Deus e a incumbência particular em relação a criação e dentro dela. Mas seu reinar não é autônomo; Deus entrega ao homem sua tarefa e lhe determina os limites (Gn 21.29; 9.2). Elevado acima da criação, o homem está orientado para Deus. Essa intimidade e representação valem para o homem e a mulher (Criou Deus homem e mulher 1.27), mas isso não permite concluir que Deus é semelhante ao ser humano. Pois é usado o plural (Ele os criou... v. 27) aliás na época da redação de Gn 1, a proibição das imagens já estava em pleno rigor.
Valor e proteção da vida humana: segundo Gn 5.1-3 a relação
entre Adão e seu filho Set corresponde a que existe entre Deus e Adão (segundo
sua imagem e semelhança...). A relação assim especificada mostra que a
semelhança entre Deus e o homem não esgota com a tarefa de dominar. Gn 9.1-6 fundamenta
a proteção da vida de cada ser humano e a primazia da vida humana, na sua
dignidade como imagem de Deus.
ASPECTOS DA IMAGO DEI
O fato do homem ter sido criado à imagem e à semelhança de
Deus é explicado como o ter o domínio sobre a criação divina na qualidade de
vice-regente de Deus (Sl 8.5-8).
A imagem divina não se encontra no corpo do homem, que foi
feito a partir de matéria terrena, mas em sua semelhança espiritual
intelectual, moral, com Deus, de quem veio o sopro que lhe deu a vida. A imagem
consiste nas aptidões da personalidade que fazem com que cada ser humano seja,
como Deus, capaz de interagir com outras pessoas, pensar e refletir e possuir
livre arbítrio.
O aspecto espiritual foi prejudicado pela queda e é diariamente
manchada pelo pecado. Mas a imagem foi vista de forma perfeita em Cristo e se
tornará perfeita em nós quando a salvação estiver completa (Hb 2.6-15).
O homem não é apenas uma imagem, mas é uma imagem de semelhança.
Ele não é apenas representativo, mas representação. O homem é o representante
visível, corpóreo, do Deus invisível, incorpóreo. A Imago Dei distingue o homem
de todas as outras criaturas; é o que nos faz humanos. A imagem de Deus não se
perdeu em consequência do pecado ou, especificamente, da queda. É algo
inseparavelmente ligado a humanidade. Ela diz respeito ao que somos, não ao que
temos ou fazemos. O homem, mesmo pecador, continua carregando a imagem de Deus
(Gn 9.6).
A IMAGEM DE DEUS
Segundo todas as afirmações do AT sobre o homem se destaca a
de Gn 1.26ss que dá o homem e só a ele, o título de imagem, retrato de Deus. Além
desta declaração não se conhece outras no AT que definam o homem com tanta
concisão e com tanta plenitude interior.
TOME NOTA!
Gn 1.26 pertence ao escrito sacerdotal. É bem claro nesta passagem que ideias e representações dos mitos pagãos e da literatura sapiencial (literatura dos sábios), relativas a criação do homem, foram aceitas e adaptadas à mentalidade israelítica. O mito transparece de um modo plenamente reconhecível, mas os deuses cederam o lugar ao Deus único, Yahweh. Pelo aproveitamento de ideias então correntes sobre a criação do homem e pela interpretação que lhes dá, a Bíblia faz ver em Gn 1.26ss a definição de homem.
Estrutura alma-corpo: Se pergunta ao AT se ocupa se é
pertinente a questão da dicotomia, “alma, como princípio vital e carne”, ou com
a tricotomia “alma, espírito e carne.” Isso porque ele não se distingue claramente
entre o órgão (p. ex., alma=nefes – garganta, pescoço, respiração, vida;
corpo=basar – carne; espírito=ruah – hálito; leb – coração) e a sua função ou
entre a parte do corpo e o modo segundo o qual o homem vive. Nefes define o
homem enquanto ele procede de alguma coisa; ruah o caracteriza enquanto está sujeito
a sentimentos e possui aptidões; leb o mostra como ser capaz de pensar e de
decidir; basar indica a sua impotência e fragilidade.
Afinidade com Deus: não se pode responder nenhuma questão
antropológica se baseando em termos hebraicos que correspondem ao corpo e força
vital, alma. Se quisermos compreender como o AT funciona a respeito do homem devemos
voltar para outras afirmações como para a passagem que diz que o homem foi
feito à imagem e semelhança de Deus, Gn 1.26.
Colocando o homem no âmbito da criação e no fim do sexto dia
do esquema hebdomadário (Gn 1.1-2.4a), o autor destaca o homem como a obra mais
importante. Quanto a sua posição diante de Deus Gn 1.27s a vê especificado no
fato de o homem ter “semelhança” com Deus e de ser até sua “imagem.”
Procuremos interpretar detalhadamente essa afirmação. Que
significam “imagem retrato?” Pelo que podemos deduzir das fontes antico-orientais
e dos textos bíblicos (Gn 5.3), o que se descreve deste modo é a estreita afinidade
existente entre o homem e Deus: entre eles existem a mesma relação que entre
pai e filho. Assim o homem é semelhante a Deus corresponde à sua figura ou
imagem: ele anda ereto, é dotado de espírito e chamado a dominar sobre o mundo
e os animais. Colando a ideia da semelhança com Deus na obra da criação, a
narrativa bíblica põe as bases para toda história seguinte da humanidade e do
povo e Israel: todos os homens, inclusive Israel, vivem em um mundo que é a
criação de Deus, no fim, formou o homem.
Segundo a concepção bíblica o fato de o homem ser “à imagem”
de Deus significa, de um lado, que a vida e a felicidade do homem estão ligadas
à sua proximidade com Deus, concretamente, à sua obediência ao seu criador e
Senhor da vida. Por outro lado, esse fato faz refletir que seria uma ilusão
fatal se dessa proximidade se quisesse deduzir a possibilidade de ser “Como
Deus” e de viver sem se preocupar com ele e sua lei.
Segundo o AT o homem é uma imagem de Deus que tem por
obrigação de viver esta sua dignidade pelo cumprimento da Lei. Uma resposta
definitiva a todas estas questões será dada, porém, só quando Cristo,
cumprimento da Lei, aparecer no fim dos dias e, como verdadeira imagem do Pai,
assimilar os seus a si mesmo.
ANTROPOLOGIA; ESTUDO E
IMAGEM DE DEUS
Parte do cosmos, mas a imagem e Deus, é o homem. O homem só
se conhece como homem em Jesus Cristo. Fora da experiência da redenção em
Cristo, o homem se julga homem perfeito. Embora o homem natural não o saiba,
sua natureza apresenta três aspectos sociais: a) Homem religioso; b) Homem
pecador e c) Homem imagem de Deus.
a) O
homem percebe a sua natureza religiosa quando se conhece verdadeiramente em
Cristo. A experiência soteriológica é a chave para a compreensão desse aspecto
do homem. Calvino estudou o verdadeiro conhecimento de Deus, como acomodado,
correlativo, experimental, compreensivo – expressões essas que mostram vários
aspectos da mesma verdade: que só em Cristo se conhece verdadeiramente a Deus e
que só o homem que conhece a Deus em Cristo, é que se conhece como homem em
toda a sua extensão.
b) Mas
conhecer-se como regenerado, é conhecer-se pecador. “o pecado é a grandeza e a
miséria do homem.” Redenção é uma das ideias que nos leva necessariamente a
outra: pecado, rebeldia. Somos salvos do pecado. Que é isso? Pecado é o absurdo
na criação de Deus. É a emergência na vontade da criatura contra a vontade do
Criador. É desarmonia, isto é, desvio do homem, criado por Deus para ser seu
interlocutor. O pecado é conhecido somente pelo salvo, o não regenerado não só
se justifica do pecado, mas tenta explicá-lo.
c)
O
homem que peca e é regenerado é uma criatura especial de Deus. Exatamente esses
dados espirituais é o que se distingue dos animais. Daí a expressão “imagem
e semelhança de Deus.” Não designa ela algo diferente do ser humano, mas o
ser humano no duplo aspecto de suas possibilidades e de sua realidade. Há uma
imagem natural (formal) e uma imagem espiritual (material). No primeiro sentido
é personalidade; no segundo, santidade. A realidade do ser humano, por Deus
criada, à Sua imagem, apresenta dentro de certas polaridades: corpo x alma;
homem x mulher; etc. Tais polaridades não devem ser objetos de especulações, há,
contudo, lições dentro dessas mesmas. Textos: Rm 8.29; I Co 11.17; II Co 3.18;
Cl 3.10; Gn 1.27; 5.1;9.6.
Estudo do homem em sua dimensão teológica levou-nos ao
conceito de imagem de Deus, que é um tema bíblico, do princípio ao fim. Os
textos que devem ser analisados com acuidade são: Gn 1.26,27;5.3; Rm 8.29; I Co
11.7; 15.45-49; II Co 3.18; 4.4; Cl 1.15; 3.10; Ef 4.24; Hb 1.3; Tg3.9 cada
texto com seus contextos, se deve fazer uma exegese, não é o nosso caso aqui,
quem sabe futuramente.
Desse recenseamento de textos, vê-se que o assunto se
desdobra ao menos em 3 aspectos:
1-
Imago Dei expressa: Cristo – II Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3
2-
Imago Dei renovada: Regenerado – Rm 8.29; II Co 3.18; Cl 3.10; Ef 4.24
3-
Imago Dei simples: o homem visto em seu aspecto natural – Gn 1.26,17; 5.3; Tg
3.9
Cristo, o homem ideal, é imago Dei expressa. Que é imago Dei em
Jesus Cristo, a distinção trinitária (o Filho) ou o ser humano perfeito? Acho
que não se trata de Imago Dei, no sentido comum do ser humano. Foi, pois, a
perfeita imagem de Deus mesmo no sentido humano.
Assim, reduzimos em duas classes os textos serem estudados,
que correspondem à dupla terminologia que surge nos autores:
CALVINO
Imagem no sentido geral: refere-se à “feitura” de Deus no
universo, isso inclui o homem como espécime preeminente da operação de Deus.
Imagem no sentido especial: refere-se à resposta do homem à palavra de Deus. A revelação com Deus tem analogia na própria relação entre Adão e Eva. Ora, o conhecimento mais preciso dessa relação pode ser ganho na reparação da natureza corrupta, em Cristo, a através da regeneração do Espírito.
BRUNNER
Aspecto formal na natureza humana: no pensamento dos textos
veterotestamentários, o fato do homem ter sido feito imagem de Deus significa
algo que o homem não pode perder; mesmo quando ele peca, não pode perdê-lo. Essa
concepção não é, pois, afetada pelo contraste entre pecado e graça, ou pecado e
obediência, precisamente porque ele descreve o aspecto da natureza humana que
poder-se-ia chamar de “formal” ou “estrutural” e não “material”.
Aspecto material da natureza humana: o Novo Testamento simplesmente
pressupõe esse fato que o homem, na sua real natureza, tem sido feito à imagem
de Deus. Aos apóstolos o que interessa é a realização “material” desta
qualidade dada por Deus, isto é, o homem deveria realmente dar a resposta que o
criador deseja, a resposta em que Deus é honrado e em que Ele se comunica,
resposta do amor grato e reverente, dada não só em palavras, mas em toda a sua
vida.
STRONG
Imagem natural: personalidade. Essa semelhança natural a Deus é
inalienável, e, como constituindo capacidade para redenção, dá valor à vida
mesmo aos não-regenerados.
Imagem moral: santidade. O homem foi criado como uma direção de
afeto e vontade, constituindo o fim supremo do ser humano. Mudou de direção:
pecou. Retorna à direção: a regeneração.
IMAGEM DE DEUS NO
PRIMEIRO SENTIDO
Refere-se aos textos de Gn 1.26,27; 5.3; Tg 3.9. É o
pensamento mais presente no Antigo Testamento. Temos aí a imagem “formal”
(Brunner), “natural” (Strong), “geral” (Calvino). Nesse sentido
consideraremos os “Elementos Humanos.” O homem, pelo
desenvolvimento de suas capacidades bio-psíquico-sociais, é a criatura que
reflete Deus no cosmos, no sentido de dominar. Nesse sentido, o homem sempre
foi e continua a ser imagem de Deus. É o rei da criação, é o vice-rei de Deus
na terra. Todas as suas capacidades entram em jogo: inteligência, vontade. A
personalidade distingue-se no cosmos como realidade excepcional. Irineu disse
com muita propriedade: “É o homem e não uma parte dele, que é a imagem de
Deus.” Personalidade é uma noção complexa, cujos elementos essenciais reduzem-se
a quatro: consciência, própria, aliada à, determinação; própria.
IMAGEM DE DEUS NO
SEGUNDO SENTIDO
Refere-se aos textos de Rm 8.29; Cl 3.10; II Co 3.18. É a
imagem “especial” (Calvino); “moral” (Strong) e “material”
(Brunner). É a imagem renovada. Nesse sentido, referimo-nos ao homem real, à
direção teológica desse ser. O homem criado à imagem de Deus, feito para
relacionar-se com Deus, mudou de direção, pecou. Ele – que devia ser vice-rei –
pensou ser o próprio rei. Se, no primeiro sentido, o homem nunca deixou de ser
imagem de Deus, no segundo sentido, o homem caiu, e como decaído, pode ser
regenerado. Deus restaura a imagem, cria a “nova criatura”, dando
direção certa à personalidade. O homem novo renova-se para o conhecimento
segundo a imagem daquele que o criou. A vida cristã é uma restauração da
imagem, é a reorientação do homem rumo ao seu destino.
ANALOGIA RELATIONIS
“Analogia relationis” é um conceito atual, que
diz respeito à natureza do ser humano e que, portanto, fala da próprio Imago
Dei, mas que está relacionado e, derivou-se mesmo de um outro conceito mais
geral – analogia entis – que é um conceito católico, medieval.
Com ela, quer-se expressar a semelhança da natureza do cosmos com Deus, de tal
modo que se pode conhecer Deus através do cosmos, uma teologia natural. Barth
em sua Dogmatik, III. 1. p 206ss. ele discursa o conceito de Imago Dei. Como é
o homem imagem de Deus? Um dos aspectos indiscutíveis dessa semelhança é o fato
do ser humano não ser isolado. A personalidade só o é, em seu estado normal de
vida social. Deus já o fez macho e fêmea (Gn 1.26,27). Não seria por acaso que
o mesmo texto que nos diz ser o homem feito à imagem e semelhança de Deus, também
diz que Deus o fez macho e fêmea. O ser pessoal é ser social e vice e versa.
Ora, o conceito de Deus que o mesmo texto apresenta é o de
Deus trinitário: “Façamos.” Não está explicita aqui a fórmula trinitária,
mas, o plural está presente como que expressado o conceito existente no ser
divino: façamos... também o plural está em relação ao homem: “e dominem...”.
O conceito de Eu e Tu caracteriza o ser humano como o ser divino. Mas ninguém
pensará que o homem é personalidade exatamente como o Deus o é.
Que dizer, porém, do conceito aqui apresentado? Analogia
relationis é aceitável? Sem dúvida, ele expressa um aspecto real do assunto.
Não nos parece, porém, que a imagem de Deus no homem, mesmo do ponto de vista
natural seja esgotado nesse conceito.
Brunner diz que a ideia de Karl Barth, que Imago Dei
significa a polaridade dos sexos – que o homem tenha sido criado como “homem
e mulher” – dificilmente ganhará o favor dos exegetas, a despeito do modo
brilhante em que esta ideia é trabalhada.
SENTIDO CRISTOLÓGICO DE
IMAGEM E SEMELHANÇA
Em Israel o distanciamento da imagem material criou espaço
para um uso metafórico da noção de imagem, do grego eikõn. No início da era
cristã, Gn 1.26, não se referia à humanidade atual. O texto permite pensar num
homem “celestial,” anterior ao homem que segundo Gn 2.7, foi formado do
pó da terra. O homem semelhante a Deus seria, pois, anterior ao mundo material;
seria um ser incorpóreo, assexual e incorruptível (Filon, Op. Mund. 134). Filon
relaciona-o com o Logos, a palavra de Deus como pensamento progressivo. Em
outra linha de pensamento israelita, a Sabedoria, pela qual Deus formou o
mundo, e na qual ele deixou o seu povo participar, tornou uma entidade
“preexistente” (que existia antes do mundo concreto: Pr 8.22ss; Jó28.21ss).
Deus, o absolutamente inigualável, outorga, na Sabedoria, uma “igualdade”, à
qual o conhecimento humano tem acesso. Sb 7.26 define essa sabedoria como “reflexo
da luz eterna e imagem da bondade divina.” Filon descreve a sabedoria,
coincidindo com o Logos, como Princípio, Semelhança e visão de Deus (All.
I,43). A ideia de semelhança também fora absorvida pela gnose.
O homem como a imagem de Deus: a evolução da cristologia acima
descrita propedeuticamente deu uma nova ideia do homem como imagem de Deus.
Pois o homem pode trocar o esplendor de Deus por uma imagem insatisfatória, e é
isso que ele faz (Rm 1.23 visto por grande parte dos pesquisadores um
esvaziamento de Gn 1.26). Mas a eleição divina os orienta para que se tornem à
imagem e ao esplendor do Filho (Rm 8.29; II Co 3.18; Gl 4.19). Essa transformação,
pela qual o homem, se torna celestial, tornou-se objeto de esperança nas
comunidades paulinas (I Co 15.47ss; Fl 3.20). A carta aos Colossenses a vê
operando na existência cristã, desde já, e faz dela um critério de conhecimento
e de ética cristã. Ao lado dessa linha principal de reflexão temos I Co 11.2-11
onde Paulo se orienta por uma exegese de Gn 1 que hoje nos parece duvidosa.
Entende “Adam” em Gn 1.26, não como a humanidade em geral, e sim como
determinado indivíduo do sexo masculino. Desse homem, Adão, teria sido formada
a mulher, segundo Gn 2.21. Ser imagem de Deus, Gn 1.27, teria sido privilégio
do homem; da mulher, apenas por intermédio do homem. Paulo percebe que seu
argumento é discutível, como mostram os vv 11ss, mesmo assim, segue-o, no v. 7.
Também na sequência Cristo-Homem-Mulher (v.3) inspira-se nele. Uma exegese
feminista vê nisso a base de uma depreciação da mulher no cristianismo; tal
depreciação deveria ser combatida na base da intenção original de Gn 1.26 e
pela elaboração Cristológica, prescindindo de sexo, da ideia do ser humano como
imagem de Deus.
CONFUSÕES
Este é um assunto que tem gerado confusões na história do
dogma, onde várias causas contribuíram para isso:
a)
A
existência do paralelismo hebraico em Gn 1.27, que pode perder o sentido for
dessa língua. Que fique claro que no original, o que há é a mesma realidade
expressa de duas maneiras, segundo Calvino, 136.
HEBRAICO |
GREGO |
LATIM |
PORTUGUÊS |
INGLÊS |
ALEMÃO |
TSELEM |
EIKON |
IMAGO |
IMAGEM |
IMAGE |
BILD |
DEMUTH |
OMOIOSIS |
SIMILITUDO |
SEMELHANÇA |
LIKENESS |
GLEICH, GLEICHHEIT
AHNLICHKEIT |
b) O
fato de haver duas concepções da imagem de Deus na própria Escritura. A
pergunta “perdeu o homem a imagem de Deus na queda?” podem ter duas respostas:
sim e não. Perdeu a imagem material, não a formal (Brunner). Para resolver essa
questão temos que estudar sobre a Queda, que não é o caso aqui.
c)
A
tradução da LXX kat eikona deu “segundo sua imagem.”
O texto original be, mais salmo (be Tselem) pode ser
traduzido: “em imagem sua.” A LXX deixa entender a imagem
como uma qualidade do homem que produziria os traços do modelo (Deus), tão
semelhante quanto uma cópia pode ser.
CONCLUSÃO
Que é no homem que é a imagem de Deus? É o homem mesmo ele
todo, que os dois aspectos do assunto se encontram. Qual o fim do ser humano?
Não é, acaso, a glorificação do Criador? Certamente. Deus fez toda a terra em
função do homem, e, o homem para a sua glória. Não se poderia, antes da queda,
falar em “restauração” de imagem. A imagem natural coincidia com a
imagem moral. A perspectiva posterior à queda é que leva ao uso da mesma
expressão, sugerida por Gênesis, em acepção diferente se bem que não
contraditória.
Concluindo o ser humano, tal como foi criado, reflete Deus; o
ser humano tal como alvo para que se volta o regenerado, reflete Deus; o homem
tal como é atualmente, não é o que foi antes da queda, nem é ainda, o que será
na consumação dos séculos.
Não se esgota aqui esses estudos acerca da imagem de Deus. Um estudo muito propedeutico acerca deste tema tão extenso. Cabe o leitor pegar essa base e continuar com os estudos desde os tempos mais antigos até remotamente.
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Cristã Novo Século, 2003
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HARRIS, R. Laird; ARCHER, JR, Gleason, L. WALTKE, Bruce
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Vine: o significado exegético e expositivos das palavras do Antigo e do Novo
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